"Pedras que toquei, pessoas que conheci e palavras que reaprendi a ler tornaram-se os alicerces de uma ideia de cidade que punha a conversar entre si (...). Com o correr dos tempos, essas conversas tomaram forma e ritmos próprios e insinuaram-se, mesmo, como o modo mais ajustado de esboçar a partir delas o corpo de uma narrativa lisboeta. Narrativa com o seu toque peculiar, pois a conversa flúi, aceita como deixas interrupções e a-propósitos e estira-se sem esforço, já que palavras são como cerejas e o perigo e sempre tê-las à mão. Aliás, se é certo, como diz o poeta; que as casas justificam a intimidade, então só o tom despreocupado da conversa se impunha, pois e o único que dentro delas se cultiva. E tudo começara, de facto, no aconchego das casas. A minha Lisboa desenhava-se aos poucos como um articulado de pedras engendrado por gente e cimentado por palavras, sobreposição a primeira vista anárquica de expressões, gostos, vontades, sonhos e ambições, moldura irremediável da vivência de quem vem depois e, claro, também, do olhar curioso de quem teima perceber a trama complexa da evolução da cidade."